Cuidar do outro pode ser gratificante, mas exige tempo, paciência e leva a muitas mudanças na rotina. O cuidador, muitas vezes, fica responsável pela higiene pessoal, por levar ao médico, ficar de olho nas medicações e preparar a alimentação de um familiar idoso ou pessoa incapacitada por algum problema de saúde.
Como nem sempre a família tem condições de arcar com um profissional, é comum que essa função seja realizada por alguém que tenha um vínculo afetivo com quem está sendo assistido.
Essa situação envolve muita dedicação —às vezes até integral e por longos anos— causando um desgaste físico e até mesmo mental do cuidador. É comum que desenvolvam uma condição conhecida como estresse do cuidador, ou seja, uma tensão emocional decorrente do cuidado.
Muitos cuidadores deixam de realizar suas atividades do dia a dia como trabalhar, não se alimentam corretamente, dormem pouco e passam por muito estresse para cuidar de um ente querido que está impossibilitado.
“Estima-se que 30% dos idosos tenham algum grau de dependência. Por isso, eles precisam de um cuidador. Geralmente, são mulheres, com escolaridade baixa e vivem com a pessoa que está sob seus cuidados. E como não são treinadas para lidar com essa situação, algumas vezes acabam prejudicando a sua própria saúde”, explica Paulo Camiz, geriatra e professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Diversos estudos mostram que homens e mulheres responsáveis pelo cuidado prolongado de parentes apresentam taxas mais altas de doenças, resposta imunológica suprimida e até mortes mais precoces. “Alguns idosos com demências, por exemplo, ficam agressivos, são teimosos e não aceitam a situação.
Os cuidadores —profissionais ou familiares— ficam mais suscetíveis a problemas de saúde como dores no corpo, depressão e ansiedade”, destaca Cristina Alves, diretora-superintendente da Acirmesp (Associação dos Cuidadores de Idosos da Região Metropolitana de São Paulo).
Como saber se tenho o estresse do cuidador?
Se você cuida de algum idoso ou pessoa incapacitada no momento, e acredita que está sobrecarregado e se sente esgotado, é importante averiguar esses sintomas e checar o que está acontecendo. O estresse do cuidador causa irritação, frustração, tristeza e falta de perspectiva.
O cuidador ou a cuidadora se sente sozinho, desprotegido, com insônia, apresenta perda ou excesso de apetite e, em alguns casos, forte depressão. É comum relatarem um cansaço que não passa, descuidam da aparência e não tem tempo para si. “É difícil termos uma estimativa de quantas pessoas são atingidas, já que os cuidadores, muitas vezes, não reconhecem os sintomas de alerta. A maioria acha que essa situação é algo normal, não procura ajuda e acaba sofrendo sozinho. Há um esgotamento sem perspectiva de cura ou evolução, pois não é como cuidar de uma criança. E ao final dos cuidados, no caso dos idosos, ainda há a possibilidade de perder a pessoa”, explica Valmani Cristina Aranha, psicóloga e especialista em gerontologia e diretora da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).
Outra questão que deve ser levada em conta é a dificuldade de aceitar a troca de papéis. Frequentemente, os cuidadores podem ficar confusos ou inseguros ao se tornarem responsáveis pelos seus pais, cônjuges ou amigos. E a falta de recursos financeiros e apoio também contribuem para aumentar ainda mais o sofrimento e a angústia.
Identificando o problema
O diagnóstico geralmente é realizado de forma indireta pelo geriatra ou médico que atende ao idoso/doente. Esses especialistas podem perceber que o cuidador também precisa de cuidados por causa dos sintomas apresentados e relatos do paciente.
“O estresse se apresenta inicialmente como uma forma de alarme e é mais leve. É comum esses cuidadores terem insônia ou falta de paciência nessa fase. Depois, o organismo do cuidador passa a dar respostas ao estresse: surgem as doenças como elevação da pressão arterial, taquicardia, enxaqueca ou gastrite. E, em seguida, há uma exaustão extrema que exige tratamento”, relata Cristina Borsari, psicóloga e coordenadora da psicologia hospitalar da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Veja, a seguir, alguns sinais que merecem atenção:
- ansiedade e/ou depressão;
- perder o contato com amigos;
- estar sempre exausto;
- irritação frequente;
- sem energia;
- negligenciar a própria saúde;
- dores no corpo;
- sentir culpa quando está longe;
- ficar sempre preocupado e com pensamentos negativos;
- falta de concentração;
- dores frequentes de cabeça ou estômago;
- imunidade baixa;
- falta de tempo para o lazer;
Dedicação e cuidados em tempo integral Em 2016, Claudia Azevedo, 50, passou a cuidar de sua mãe, Maria Moreira, 85, após ela ter um AVC (Acidente Vascular Cerebral).
Por conta do derrame, a idosa ficou totalmente paralisada e passa todo o tempo na cama. De repente, a rotina de Claudia mudou completamente: ela teve de aprender a trocar fraldas e dar banho na pessoa que sempre cuidou dela.
“É uma rotina estressante, fico sempre atenta na expectativa de que algo aconteça com ela. Não tenho tempo para mim, pois recebo pouca ajuda. Não tive escolha e a minha mãe agora é a minha responsabilidade”, afirma.
Com o passar do tempo, Claudia, que também realizou uma mastectomia em 2012 após um câncer de mama, percebeu um desânimo frequente. Ao procurar ajuda, foi diagnosticada com transtorno de ansiedade e depressão. Ela sente falta de ter mais tempo para se cuidar e conseguir ter outros relacionamentos.
“Faço terapia em grupo e tratamento psiquiátrico para conseguir ter qualidade de vida e dormir melhor. Também tenho problemas na coluna e de artrose, já que pego muito peso. Eu a levanto da cama com frequência para que não tenha feridas no corpo. Mas, não faria nada diferente, faço tudo o que posso por ela, não deixo que se entregue ou fique triste com a situação”, relata.
O que pode ser feito para diminuir a sobrecarga
Histórias como a de Claudia são bastante comuns, mas algumas atitudes no dia a dia diminuem os impactos emocionais que levam o cuidador a ter mais problemas de saúde —emocionais e físicos. O primeiro passo é estabelecer uma rotina de cuidados reais, ou seja, fazer o que é necessário e não buscar a perfeição.
É fundamental dividir as tarefas e admitir que precisa de ajuda para dar apoio à pessoa assistida.
“É importante manter os exames de rotina em dia. É preciso sempre conversar com o médico sobre sintomas de depressão e ansiedade. Vale participar de grupos de apoio para desabafar e desenvolver o hábito de pedir ajuda e aceitar ser cuidado(a) também”, completa Cristina Alves.
Outra questão é conseguir ter tempo para o lazer e evitar o isolamento. É fundamental manter relacionamentos com outras pessoas, não apenas com quem é assistido. Geralmente, os cuidadores passam longas horas cuidando do outro e esquecem que precisam de pausas ou de realizar atividades que tragam prazer como leitura ou assistir um filme. É necessário também manter a atividade física, tentar realizar um alimentação equilibrada e dormir bem.
Em alguns momentos, o cuidador percebe que está no seu limite. Muitos sentem uma depressão intensa e/ou mudam de comportamento, ficando mais irritados ou propensos a agressões ou desrespeito ao idoso ou pessoa doente.
“É muito importante cuidar de quem cuida. O cuidador pode perder a capacidade de lidar com essa situação. E é necessário averiguar se a pessoa não precisa buscar uma institucionalização para que o idoso ou doente tenha mais atenção e os cuidados necessários. É uma alternativa para melhorar a qualidade do cuidado, mas deve ser uma decisão individual”, finaliza Aranha.
Revisão técnica: Cristina Borsari.
Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/
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